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Estratégia ou fuga? Candidatos bem colocados nas pesquisas se ausentam dos debates

De acordo com o código eleitoral, apesar dos debates fazerem parte do processo democrático, não há obrigação legal de comparecimento dos candidatos aos encontros. Porém, o não comparecimento pode gerar perdas significativas para a população e para o processo



UPAON AÇU- O primeiro turno das eleições já está chegando e parte dos cinco debates oficiais com os candidatos à presidência da República foi cancelada pelas emissoras por falta de confirmação dos dois candidatos mais bem colocados nas pesquisas: Lula (PT), ex-presidente; e Jair Bolsonaro (PL), atual presidente. Segundo Wilson José Ferreira de Oliveira, professor doutor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e pesquisador do Laboratório de Estudos do Poder e da Politica (LEPP/UFS), do Núcleo de Antropologia da Política (NuAP) do Museu Nacional, e do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil/UFPR, a ausência de alguns candidatos nos debates televisionados não é novidade.

Wilson José Ferreira de Oliveira. FOTO: Arquivo Pessoal

"Desde o início, com a redemocratização do Brasil, tem sido uma prática recorrente, ou seja, aqueles que estão bem posicionados nas pesquisas tendem a não querer se submeter a um desgaste de imagem que pode ser um debate. Ao longo da campanha ou do programa político, o que é falado é mais controlado pelo candidato e sua equipe. Já os debates têm um teor mais constrangedor, sobretudo para os que estão melhores posicionados, já que a tendência é desgastar a imagem deles. Por isso, evitam."


Uma ausência sempre presente


Além de Lula e Bolsonaro, ao longo das cinco últimas eleições para presidente, os candidatos que estavam em primeiro lugar nas pesquisas tendiam a ignorar os debates. Assim aconteceu, por exemplo, com Fernando Collor (PRN) em 1989, e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no primeiro turno das duas eleições – 1994 e 1998. Neste último, inclusive, não houve debates televisionados no primeiro turno, tamanho era o desafio em fazer comparecer os candidatos. O próprio Lula, atual candidato, não compareceu a debates no primeiro turno em 2006, e Bolsonaro não compareceu a qualquer debate em 2018. A única candidata posteriormente eleita que compareceu a quase todos os debates foi Dilma Roussef (PT).

De acordo com o código eleitoral, apesar dos debates fazerem parte do processo democrático, não há obrigação legal de comparecimento dos candidatos aos encontros. Porém, o não comparecimento pode gerar perdas significativas para a população e para o processo.


“O não comparecimento dos candidatos aos debates promovidos pela grande mídia dão certo prejuízo à sociedade, pois é o momento em que a população quer ver os candidatos enfrentando contestações, oposições, perguntas que muitas vezes apontam dados falsos e eles têm a possibilidade de rebater, de discutir e mostrar ao público. Acho também que esse fenômeno tem a ver com o fato de que atualmente temos uma série de outros canais disponíveis para contestar fatos, políticos, informações ou até mesmo as Fake News que circulam nas redes sociais. Como eu disse anteriormente, a ausência não é incomum, mas pode ser prejudicial ao processo eleitoral como um todo”, pontuou o professor Wilson de Oliveira.


Em países como os Estados Unidos, os debates passam por uma comissão criteriosa de organização, elaboração de questões e escolha de moderação, com o intuito de preservar os encontros, que são considerados pela população como política e culturalmente importantes. Porém, no Brasil, uma das teorias que pode justificar a ausência dos candidatos como uma estratégia política é a do capital da credibilidade: quando o candidato se esquiva do debate para que possa manter a imagem de controle emocional, além de evitar situações constrangedoras e embaraçosas que possam prejudicar a sua credibilidade política. Além disso, as redes sociais desempenham um papel relevante na difusão da informação – e também da desinformação, uma vez que fica mais difícil controlar e checar toda a produção de notícias que circula em diferentes plataformas e páginas na internet, sendo um instrumento de poder para as campanhas.


Mas, e o que pensam os candidatos?


A nossa equipe entrou em contato com a assessoria de comunicação de todos os candidatos e de todas as candidatas à presidência e, até o fechamento da matéria, somente a candidata Sofia Manzano (PCB) respondeu sobre a ausência dos candidatos nos debates televisionados.

Sofia Manzano FOTO: Divulgação

"A participação nos debates é fundamental não só pela visibilidade junto à população brasileira e à classe trabalhadora, mas principalmente para confrontar os demais candidatos que não tem um programa concreto e real para resolver os problemas da população brasileira. A exclusão das candidaturas realmente de esquerda e principalmente da esquerda revolucionária dos debates é a amostra mais evidente do que é a estreita democracia brasileira. De fato, nós não temos uma democracia, nós temos uma simulação de democracia que impede que aqueles e aquelas candidatas que realmente representam os interesses da classe trabalhadora tenham o mínimo de igualdade na participação midiática, como nos debates, na cobertura jornalística, no tempo de televisão e inclusive, no nosso caso, na liberação do fundo eleitoral, que até o momento não foi liberado."


E no cenário estadual?


E não é só entre os presidenciáveis que a ausência nos debates acontece. No estado do Maranhão, a disputa pelo Governo conta com nove candidaturas e algumas faltas nos encontros televisionados. Carlos Brandão (PSB), Edivaldo Holanda Junior (PSD), Enilton Rodrigues (PSOL), Frankle Costa (PCB), Hertz Dias (PSTU), Joás Moraes (Democracia Cristã), Lahesio Bonfim (PSC), Simplício Araújo (Solidariedade) e Weverton Rocha (PDT) foram contatados por nossa redação para responder sobre o que eles acham da ausência de candidatos nos debates, a importância do embate com outros candidatos e propostas e quais as estratégias adotadas por eles para conquistar o eleitorado maranhense.


Somente os candidatos Enilton Rodrigues (PSOL), Hertz Dias (PSTU), Lahesio Bonfim (PSC) e Simplício Araújo (Solidariedade) responderam à nossa entrevista. Confira as respostas dos candidatos:


O que o candidato acha sobre a ausência de outros candidatos nos debates eleitorais?


​ "Os debates são uma forma de o eleitor conhecer melhor o programa do candidato e as posições dos candidatos sobre a conjuntura e os temas importantes para a sociedade. Sabemos que a legislação barra alguns candidatos, devido à famigerada cláusula de barreira, imposta a partir das eleições de 2018. Quando o candidato é convidado e falta, mostra um desserviço à democracia, assim sai perdendo o eleitor que deixa de conhecer melhor aquele candidato e seu programa."


Enilton Rodrigues na sabatina Mirante AM Foto: Marcelo Rodrigues


Hertz Dias Foto: Divulgação

​"Tem dois tipos de ausência. Uma é a exclusão imposta às nossas candidaturas em razão do programa que defendemos, que se choca com os interesses dos grupos políticos e econômicos que controlam os meios de comunicação. A outra é a ausência dos candidatos burgueses mais bem colocados nas pesquisas justamente nos debates aos quais somos convidados. Tanto uma quanto a outra mostram que, na essência, as eleições burguesas não são democráticas."

​"Como disse o Flávio Dino, “o candidato que foge de debate é covarde ou despreparado”. Além disso, eu acredito que os candidatos que não vão a debates roubam a cidadania do povo. Porque votar consciente é um ato de cidadania que só se torna possível quando o eleitor tem os mecanismos para isso. Propagandas, sabatinas, redes sociais, comícios e os debates. Faltar a um debate é negar o direito do eleitor de comparar. Agora, também devemos nos perguntar: o que faz um candidato faltar? Por virtude não é."


Lahesio Bonfim Foto: Divulgação


Simplicio Araujo Foto: Divulgação

​"Comparecer aos debates políticos é o mínimo de respeito e comprometimento que os candidatos devem apresentar para com os eleitores, visto que o debate é espaço de explanação das propostas, assim como de confronto de ideias no qual o candidato deve demonstrar sua habilidade em debater e construir com seus pares. Ausentar-se dos espaços de debates comprova a inaptidão política do candidato e seu desrespeito com o eleitorado."


Qual é a importância dos debates eleitorais para o candidato?


​"Os meios de comunicação ainda tem um alcance gigante junto à sociedade. O candidato pode estar falando com milhões nesses debates e com isso consegue ir muito mais longe, tendo em vista a dimensão continental do Brasil e da maioria de nossos estados. Eu, por exemplo, faço questão de participar de todos os debates, entrevistas e sabatinas para que o cidadão possa conhecer melhor o que defendemos. Em momento onde a democracia corre sério risco de fechamento, temos que saudar a iniciativa dos meios de comunicação por estar promovendo os debates, dando assim sua contribuição para a consolidação da democracia e o momento eleitoral, muito importante nesse diálogo com o povo."


Enilton Rodrigues na sabatina Mirante AM Foto: Marcelo Rodrigues


Hertz Dias Foto: Divulgação

​"Os debates são importantes porque você pode confrontar o seu programa / proposta com os dos demais candidatos e também com a realidade, que é o critério da verdade. Nos programas eleitorais, dos quais também muitos são excluídos, cada um fala e mostra o que bem entende, inclusive conseguem transformar pobreza em luxo e miséria em felicidades."

"Como eu disse, a principal importância de um debate é para o povo. Não importa o que o candidato acha, ele tem que ir e pronto, porque ele é obrigado a dar satisfação ao povo se for eleito, e tem que começar assim logo na campanha. A importância dos debates eleitorais é muito grande, pois informa aos eleitores as suas propostas, seus feitos, suas fragilidades e promove o diálogo de ideias."


Lahesio Bonfim Foto: Divulgação

Simplicio Araujo Foto: Divulgação

"​Espaço democrático, no qual todos os candidatos, independente do poderio econômico e político, tem a possibilidade de mostrar suas qualidades e virtudes à população. Durante o debate, além da possibilidade de mostrar nossas propostas, podemos confrontar os demais candidatos, restando claro ao telespectador quem é o mais preparado para ocupar a cadeira em pleito. O debate é tão importante que já foi capaz de mudar completamente o resultado de eleições passadas."


Quais são as estratégias que o candidato acha relevantes para apresentar as propostas à população e conseguir votos?


"Hoje, as redes sociais são uma realidade que não podemos ignorar, consegue atingir milhões. O combate às fakenews continua sendo um desafio para a justiça. A gente vê também que a TV ainda tem um alcance gigante e, juntando todos esses meios, nossa estratégia de chegar ao máximo de eleitores possível está sendo em participar de todos os debates, entrevistas e sabatinas, e também estar presente nas redes sociais. Também não podemos deixar em segundo plano o contato direto com o eleitor, apesar de a disputa ser muito desigual em relação às condições materiais."


Enilton Rodrigues na sabatina Mirante AM Foto: Marcelo Rodrigues


Hertz Dias Foto: Divulgação

"​O voto pode ou não refletir um acordo com o programa. Para nós, é muito importante um voto programático. Por isso que, mesmo sendo um processo anti-democrático, disputamos o voto palmo a palmo, porque é a disputa palmo a palmo pelas tarefas que a classe trabalhadora tem que realizar. Diferente dos demais partidos, nós não rebaixamos nosso programa ao nível de consciência da população (o vale tudo pelo voto), mas tentamos fazer com que essa consciência avance em direção ao nosso programa."

"Primeiro, lembrar à população a situação que o Maranhão vem vivendo com filas e mais filas na saúde, com a falta de empregos, com a pobreza e a fome. O grupo político que vem governando o Maranhão há anos, não só não resolveu os problemas como os piorou: aumentou a pobreza para mais de 50% da população; o desemprego aumentou para 20%; são mais de 380 mil famílias entre casas de taipa e palafitas. Mostrar quem são os responsáveis por isso e também confrontar as informações passadas pelos candidatos através dos seus programas de horário gratuito eleitoral. No debate, temos a possibilidade de mostrar para a população os problemas e quais são as nossas propostas, mostrar quem tem projeto de mudança de verdade, levar esperança e mostrar que estamos preparados para solucionar os problemas do Estado do Maranhão."


Lahesio Bonfim Foto: Divulgação


Simplicio Araujo Foto: Divulgação

​"Propostas que atendam os anseios populares. O povo está cansado de propostas eleitoreiras, utópicas e que desaparecem após as eleições. Por isso, aposto em propostas que fomentem a criação de emprego e renda, de maneira clara e objetiva, comprovando sua efetividade pelos trabalhos já desenvolvidos por mim quando ocupei a função de secretário."

 

Na festa da democracia, nem todos os convidados comparecem, mas os registros e diálogos fomentados a partir dos debates proporcionados pelos meios de comunicação ainda são uma forma de alcance expressivo para a população brasileira. O que muitos apresentam como estratégia de proteção, pode transitar para o que outros consideram uma fuga para não responder o que não lhe convém. De qualquer forma, o voto ainda é obrigatório, porém o comparecimento aos debates, não.

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